Opinião/Informação:
Este parecer tem por finalidade apresentar uma análise técnica sobre a importância da consolidação do Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) do Amazonas como pré-condição essencial para a implementação eficaz e justa do ICMS Ecológico no estado. A proposta parte da compreensão de que a conjugação entre instrumentos de planejamento territorial e incentivos fiscais é indispensável para que o desenvolvimento do Amazonas ocorra de forma equilibrada entre conservação ambiental e uso sustentável dos recursos naturais.
- Contexto estadual: desafios e potencialidades
O estado do Amazonas possui um dos maiores patrimônios ambientais do planeta, abrigando cerca de 23% das florestas tropicais remanescentes do mundo. Essa riqueza, no entanto, convive com sérios desafios socioeconômicos, dificuldades logísticas, pressões de uso indevido do solo e desigualdades entre municípios. Nesse cenário, políticas públicas baseadas em evidências territoriais são fundamentais. O ZEE, ao identificar as diferentes zonas com suas vocações ecológicas e econômicas, é o principal instrumento para orientar a ocupação do território, a proteção de áreas sensíveis e o estímulo a cadeias produtivas sustentáveis.
- O papel do ICMS Ecológico
O ICMS Ecológico é um mecanismo que permite ao Estado valorizar financeiramente os municípios que adotam práticas efetivas de proteção ambiental. Sua correta implementação no Amazonas tem o potencial de:
• Compensar e incentivar municípios que mantêm unidades de conservação, terras indígenas e áreas de relevante interesse ambiental;
• Estimular práticas sustentáveis no interior do estado;
• Integrar gestão ambiental com desenvolvimento local.
Contudo, já sabemos que os itens 2 e 3 não vem acontecendo, ainda temos desmatamento dentro dessas UCs. Se já está ruim, esse potencial pode ser severamente comprometido se os critérios de repasse forem definidos sem respaldo técnico e territorial.
- Riscos da implementação do ICMS Ecológico sem o ZEE
A seguir, detalho as principais desvantagens e riscos de se implementar o ICMS Ecológico no Amazonas sem o prévio estabelecimento e aplicação do ZEE estadual:
4.1. Critérios generalistas e ineficazes
Sem o ZEE, os critérios de repasse do ICMS Ecológico tendem a ser arbitrários ou baseados em informações fragmentadas, não refletindo as reais necessidades ambientais ou potencialidades econômicas dos municípios amazônidas.
4.2. Alocação ineficiente de recursos
Recursos públicos correm o risco de serem destinados a municípios com menor relevância ecológica ou baixa efetividade na proteção do território, enquanto áreas de grande importância ambiental e social ficam desassistidas.
4.3. Desigualdades e injustiça federativa: riscos à inclusão dos municípios com alto valor ambiental
O estado do Amazonas possui uma das maiores diversidades territoriais e socioambientais do país. São 62 municípios, a maioria com vastas extensões territoriais, baixa densidade populacional e áreas protegidas que representam verdadeiros ativos ambientais globais. No entanto, muitos desses municípios enfrentam limitações institucionais, orçamentárias e logísticas crônicas, que dificultam sua capacidade de elaborar projetos, manter estruturas ambientais e responder adequadamente a critérios técnicos e burocráticos exigidos por políticas como o ICMS Ecológico. Sem um ZEE que reconheça essas assimetrias e oriente a distribuição de recursos de forma equilibrada, há um grande risco de reprodução da desigualdade federativa, com concentração dos repasses em municípios mais estruturados, mesmo que estes tenham menor relevância ecológica.
Exemplos concretos:
• São Gabriel da Cachoeira: mais de 90% do território em áreas protegidas, mas enfrenta extrema dificuldade logística e escassez de capacidade técnica.
• Barcelos: importante polo de turismo ecológico e pesca ornamental, com áreas protegidas relevantes, mas carente de estrutura administrativa especializada.
• Japurá: abriga a Estação Ecológica Juami-Japurá e outras áreas de floresta intacta, mas sofre com isolamento e baixa conectividade.
• Atalaia do Norte: município fronteiriço com forte presença indígena, incluindo povos isolados, com papel estratégico na conservação e soberania, mas com infraestrutura institucional fragilizada.
• Tapauá: grande presença de populações ribeirinhas em RDS estaduais; sem apoio técnico e sem regularização fundiária plena, corre o risco de exclusão.
• Fonte Boa e Jutaí: situados em região de várzea rica em biodiversidade e mosaicos de conservação, carecem de suporte técnico para organizar e formalizar ações de gestão ambiental.
Esses municípios representam áreas de altíssimo valor ecológico e social, e seu eventual não enquadramento nas regras do ICMS Ecológico, por critérios técnicos inflexíveis ou desconectados da realidade amazônica, pode representar uma injustiça ambiental e orçamentária de grande magnitude.
4.4. Descoordenação entre políticas públicas
O ZEE é a base para integrar políticas de meio ambiente, ordenamento territorial, infraestrutura, agropecuária, bioeconomia e regularização fundiária. Ignorar esse instrumento enfraquece a articulação entre essas áreas, gerando políticas sobrepostas, ineficazes ou conflitantes.
4.5. Perda de legitimidade e segurança jurídica
A ausência de critérios técnicos amplamente reconhecidos abre margem para questionamentos judiciais, contestação política e desconfiança pública quanto à distribuição dos recursos do ICMS Ecológico.
- Conclusão e recomendações
Diante do exposto, recomenda-se enfaticamente que o Governo do Estado do Amazonas priorize a finalização, validação e publicação do ZEE estadual antes da regulamentação e implementação do ICMS Ecológico.
O ZEE garantirá que o ICMS Ecológico:
• Tenha critérios técnicos claros, justos e territorialmente definidos;
• Seja um verdadeiro instrumento de planejamento e incentivo à conservação ambiental;
• Promova o desenvolvimento sustentável do interior do estado, respeitando as realidades locais e as populações tradicionais.
Essa integração também reforça o compromisso do Amazonas com a governança ambiental transparente, o acesso equitativo aos recursos públicos, e os compromissos climáticos e socioambientais internacionais assumidos pelo estado.
Encaminhamentos propostos:
1. Concluir e publicar o ZEE do Amazonas em versão oficial, acessível e tecnicamente validada. Lembro que o ZEE é aprovado na ALEAM e sancionado pelo governador;
2. Definir os critérios do ICMS Ecológico com base nas zonas definidas pelo ZEE, considerando vulnerabilidades institucionais e peculiaridades regionais;
3. Promover ampla capacitação e diálogo com os municípios para garantir participação, transparência e adequação dos critérios;
4. Integrar o ICMS Ecológico a um programa estadual de incentivo à bioeconomia, gestão territorial e valorização das populações tradicionais e indígenas.
Resumindo, que se conclua o ZEE e, em seguida, adote o ICMS ecológico. Fazer antes, é um erro grave, pelo motivos expostos. Os ambientalistas enfiaram entre os critérios a criação de mais “unidades de conservação”. Já estamos engessados, mas “eles” querem mais. Quem se beneficia com mais UCs, o caboclo não é?
THOMAZ RURAL